Todos temos três vidas – Vida publica, vida privada e vida secreta. A vida privada é só por convite. A vida secreta não é da conta de ninguém. Se por um lado os dias ficam mais pequenos à medida que a luz se cansa de brilhar, por outro a escuridão cai sobre nós na lembrança de que um dia o segredo que guardamos na gaveta mais tímida do armário mais antigo assim irá permanecer – escondido e esquecido – na escuridão que habita no espaço entre planetas.
Era de manhã quando o velho e cansado sol ganhou coragem para voltar a iluminar o céu depois de uma fria e longa noite. Mesmo para ele começava a tornar-se cada vez mais difícil sair da cama. A cada hora tornava-se mais pesado o fado de iluminar as esperanças daqueles que caminham cá em baixo por entre sombras desconhecidas. A cada segundo que passava tornavam-se mais evidentes as imperfeições dos tímidos estores que cobriam a única pequena e gelada janela que ligava o pequeno canto de Ernesto ao desassossego lá de fora que teimava em não ir dormir. o Inverno estava a chegar. Com ele trazia tudo aquilo que temos mas não queremos – os parapeitos dos prédios outrora reclamados por pequenos pássaros cantantes eram agora apenas blocos cinzentos gastos e apáticos; As folhas das arvores, cansadas e tristes, sucumbiam ao frio e ocupavam o lugar dos casais que ali se sentavam e se perdiam no romance das promessas de uma vida que vivía tão intensamente quão a vida o permitia. Para o pequeno Ernesto, ainda fascinado pelas pequenas trivialidades que faziam o mundo girar, nada o deixava mais triste que andar na rua e ver toda a gente olhar em frente como os robots que davam vida aos seus jogos de vídeo.


O despertador assustou-se e gritou bem alto na esperança de não se sentir tão sozinho à mercê do seu medo da luz. Para um canário um gato é um monstro e, para o pequeno despertador, o sol era o bicho Papão. Os ponteiros marcavam 07h e 01 minuto. Apesar do valor incalculável de uma boa noite de sono, era no minuto extra todas as manhãs que estava a magia. Ao contrário do seu avô que dormia no quarto ao lado, a tenra idade do pequeno Ernesto permitia-o espreguiçar-se de tal maneira que quase podia garantir conseguir ouvir o seu corpo crescer. Toda a vida tinha sido ensinado que ter muito não significa ser muito – Algo que lhe era garantido aprender à medida que a vida o deixasse de ver como um estranho. Eram assim todas as lições dos adultos – sempre demais para aqueles que consideram ser menos que eles nas alturas em que eles próprios não se consideram grande coisa.
Era dia de escola. O primeiro, na verdade – A derradeira prova de que o verão tinha oficialmente chegado ao fim. Um misto de entusiasmo com um profundo sentimento de saudade invadiam Ernesto numa luta pela conquista do seu estado de espírito à medida que ele trocava os calções de banho e t’shirts coloridas por um par de calças cinzentas e uma camisa branca com demasiados botões para o seu tamanho que compunham o uniforme da escola. Ele podia usar uma camisola à sua escolha mas tinha que obrigatoriamente ter um fecho de arrasto, bem como a camisa por baixo presa dentro das calças – um acto de rebeldia autorizado pela sua escola ao bom jeito conservador. Com a mala feita e os seus cansados sapatos de vela agarrados aos pés e prontos para enfrentar o pavimento áspero da sua rua até à escola, era tempo de enfrentar o frio. E que frio! Se evitar as manchas que davam relevo ao asfalto da rua, manchado pelo andar pesado e desleixado das pessoas era, no dia anterior como que um jogo, naquele dia parecia uma prova de esforço. Um esforço que começava no momento em que abria a porta do seu prédio e se lançava na aventura de tentar não ser mais um num mundo que se esquece de contar. Ao pisar o chão escuro que se confundia com as fachadas funcionais dos quase imponentes edifícios que prendiam o frio na sua rua, Ernesto foi levado pela corrente – para lá dos seus sonhos. Velejando ao ritmo de um vento sem sabor.
Entre os sons ansiosos dos carros que perfumam a cidade e as incontáveis cabeças que dão forma a um horizonte desassossegado, o pequeno Ernesto segue o seu caminho em direção a um destino que não é seu. A cada passo dado num ritmo descoordenado que passa de mão em mão, o seu livre e espontâneo cabelo torna-se cada vez mais parte da paisagem enquanto a sua sombra se envolve de forma descomprometida com a de estranhos que já desistiram de estranhar. Cedendo às leis da rotina que crescem dentro de nós como uma erva daninha, Ernesto é agora parte de um jardim que vive com a garganta sêca. Estimulado pelos desejos e frustrações que se alimentam dos segredos que apodrecem na alma daqueles que se perdem com medo de se encontrarem; pelos ruídos citadinos desafinados que abraçam o silêncio que atormenta a vontade de sonhar e sufoca a ousadia de pensar.
Mas quem é o Ernesto? Uma resposta que apenas a seu tempo o tempo será capaz de encontrar. Por agora, é um planeta que dança no espaço entre as estrelas. Entre todos os que caminham para lá do horizonte na esperança de encontrar o seu canto mágico que quem sabe um dia partilharão com alguém. Até lá, esse cantinho permanece assim – escondido e esquecido – até que voltemos a casa – onde a nossa historia começa. Porque todos temos três vidas, mas apenas vivemos uma vez.

Uma resposta para “My Corner – O Espaço entre Planetas”
Do ponto de vista da norma do português, o teu texto apresenta alguns pequenos problemas ao nível da acentuação e da pontuação: Por outro lado, percebe-se que já procuras um estilo de escrita em que optas por frases longas, mas, muitas vezes, o ponto final é o melhor amigo do escritor.
Fui particularmente sensível às hipálages que se vão encontrando ao longo do texto (“gaveta mais tímida”, “tímidos estores”, “sons ansiosos dos carros”…), à boa maneira de Eça de Queirós.
A meu ver, o carácter circular do texto dá-lhe coesão e, provavelmente, o mais importante de tudo, acabamos por observar o mundo pelos olhos do Ernesto!
Continua neste registo, pois o teu texto tem excertos de uma prosa excecional.
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